terça-feira, 22 de junho de 2010

Hipocondria

A atendente como de praxe chama o próximo da fila:
-Senha vinte e nove, por favor!
Espera um pouco e ninguém aparece, insiste:
-Vinte e nove!
Demora mais um pouco, desiste:
-Trint...
-Espera! To aqui!
Disse uma voz bem fina. A atendente olha pra frente, mas não vê ninguém.
-Aqui em baixo! - A voz novamente - Não alcanço o balcão!
A atendente olha pra baixo, e vê uma menina. A menina devia ter uns oito anos. Na ponta dos pés entrega a senha de papel. A atendente recebendo a senha pergunta:
-Com quem você está?
-Não estou com ninguém! Vim sozinha!
Responde a garotinha, com um ar de ofendida. A recepsionista já impaciente insiste:
-Você precisa de um responsável pra ser atendida.
-Mas é uma emergência, moça!
-Ah Meu Deus! Uma emergência! Então senta lá que o doutor já te chama.
-É mesmo! Que rapidez! Meu nome é Maria Eduarda.
-Ta bom. Agora senta e fica quietinha.
Ingenuamente, a garota senta ansiosa para ser chamada. Passa uma hora, duas, três. A garota continua esperando. Já está anoitecendo quando uma faxineira, que estava presente quando a menina fora "atendida" , fica com dó e resolve entrar também na brincadeira.
-Oi, eu sou a Doutora. Qual é o seu problema?
-Você é a Doutora?
-Claro! Diga o que tem?
-Então se você é médica por que está vestida com o uniforme da faxina?
A menina era mais esperta do que imaginara.
-Ah é que hoje faltou uma das faxineiras e eu estava ajudando. Quando terminei vim te atender.
-Ah entendi. Mas porque não vamos no consultório?
-Por que... - Droga ela não havia pensado nisso antes. -... O consultório está interditado.
O jeito era improvisar.
-Ah... Por isso a demora né?
-Exatamente!
Ufa! Ela estava acreditando.
-Então o que você tem? Dói alguma coisa?
-Eu estou ótima! Na verdade a doente não sou eu é minha irmã!
-Hum... Mas por que não foi ela quem veio?
-É que o problema dela é mental, por isso não aceita que está doente. Não quis vir. Então decidivir no lugar dela e contar eu mesma os sintomas!
-Entendo. Então conte o que ela tem?
-Bom ela começou a fazer coisas que não fazia antes!
-Por exemplo?
-Por exemplo, antes ela bricava comigo todo dia. Agora ela nem brinca mais nem comigo nem com ninguém, mas se mexo nas bonecas dela ela briga comigo! Não só briga comigo, mas briga com todo mundo! Antes eu entendia tudo que ela falava, agora ela fala de um jeito esquisito que parece outra língua não consigo entender nadinha!
-Hmmm... E o que mais?
-Ela começou e usar umas roupas esquisitas, que são pequenas de mais pra ela! Ela começou a recusar a sobremesa! Além disso, ela ta ficando meio surda porque vive co fones de ouvido e pra falar com ela tem que ser aos berros! Outro dias eu vi ela beijando uma foto e falando com a foto! Como falei Doutora minha irmã não está batendo bem... Você sabe qual a doença dela?
A faxineira se segura pra não rir e olhando muito sério pra garotinha diz:
-Sei o nome desse doença, é adolescência!
A menina arregala os olhos e pergunta preocupada:
-É grave?
-Não, mas demora a passar.
A menina fica aliviada de imediato. Mas logo começa a ficar visivelmente nervosa. A faxineira se contendo para não rir pergunta:
-Por que está nervosa?
A menina arregala de novo os olhos e pergunta:
- É contagioso?

Ana K. Santos.

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